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Improbidade administrativa e a Lei nº 14.230/21: brevíssimas notas

POR: Jaques de Camargo Penteado

A educação do povo para a probidade, a participação efetiva dele na escolha e no acompanhamento dos atos dos governantes e a aplicação do devido processo legal, conciliando efetividade e garantismo, podem implicar a evolução de nosso país.

Resumo: A probidade é essencial ao desenvolvimento dos povos. Estes devem ser formados para o comportamento honesto. A repressão jurídica à desonestidade deve observar o devido processo legal, formal e substancial. Recente alteração legislativa adotou o sistema do direito administrativo sancionador para a repressão à improbidade. A opção legal implica a imediata vigência dos princípios constitucionais, penais e processuais penais, às causas em andamento.

Palavras-chave: Probidade. Corrupção. Improbidade e natureza jurídica de suas normas. Dolo e culpa. Prescrição. Direito Intertemporal

Sumário: 1. Introdução 2. Atos de improbidade: natureza jurídica 3. Elemento subjetivo 4. Prescrição 5. Causas em andamento 6. Conclusão


1. INTRODUÇÃO

A corrupção abala a democracia. Na verdade, é deletéria para quaisquer regimes. Vitima o próprio ser humano. O corrupto, especialmente quando exerce o poder público, destrói um número infindável de pessoas, prejudica os seus patrimônios e arruína a economia de um país. A educação para as virtudes e a repressão das condutas ímprobas são necessárias para a preservação da humanidade.[1]

Assuma-se um truísmo: a corrupção é um mal que exige as forças das pessoas de bem para evitá-la ou para reparar os danos que causa. Essas prevenção e repressão precisam respeitar os direitos e as garantias fundamentais, especialmente o devido processo legal, formal e substancial, a dignidade humana e a proporcionalidade, para que a construção da sociedade justa, estável e segura, tenha alicerces sólidos e estrutura apta à civilidade republicana (arts. 5º, inc. LIV e 1º, inc. III, CR).

Numa tríplice concepção, no plano ético, a consecução do bem comum implica a adoção da regra de que o exercício da virtude exige um método virtuoso.[2] A sabedoria universal recomenda separar o joio do trigo.[3] No aspecto jurídico, a justiça deve ser feita de forma justa, punir os culpados, mas não incomodar os inocentes; conciliar efetividade e garantismo.[4]

Vivemos um momento em que a lei pendular da história é manifesta. Há corrupção intolerável e no combate à mesma, alguns setores causaram um impressionante desserviço à justiça. Uns almejando a impunidade destes graves delitos e outros visando condenações a qualquer custo. Espera-se que se atinja o ponto virtuoso de conciliação da efetividade do direito e do garantismo. Não permitir a institucionalização da improbidade e não aceitar espetaculosas operações em que acusadores e julgadores violem o sistema acusatório, os direitos e as garantias constitucionais, perdendo aqueles a missão constitucional de promoção da justiça e estes a neutralidade essencial à judicatura; deixando uns e outros de objetivar e realizar o bem comum. Esquematicamente:

Sobreveio a recente Lei nº 14.230, de 25.10.2021, que vigora a partir de sua publicação (art. 5º). Sobre o elemento subjetivo do ato de improbidade, a prescrição e a aplicabilidade da regra nova aos processos em curso e findos, seguem brevíssimas considerações.


2. ATO DE IMPROBIDADE: NATUREZA JURÍDICA

Ao menos três orientações classificavam a Lei nº 8.429/92: a) A primeira entende que os seus efeitos são de natureza administrativa e patrimonial, isto é, cível no sentido lato. b) A segunda defende que ela encerra, preponderantemente, conteúdo de Direito Penal, pelo que assim deve ser considerada. c) A terceira adota posição eclética. Firma compreensão no sentido de que, dependendo da autoridade que for chamada para integrar o polo passivo, ela terá a natureza de espelhar crimes políticos, de responsabilidade ou de responsabilidade patrimonial e administrativa.[5]

A lei nº 14.230/21, dispõe que a disciplina da probidade administrativa configura um sistema[6] e ao mesmo aplicam-se os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador (art. 2º, § 4º – art.1º, Lei nº 8.429/92). Admite o acordo de não persecução civil (art. 2º – art. 17-B, Lei nº 8.429/92). Define que a ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil (art. 2º – art. 17-D, Lei nº 8.429/92).

Adota as mais recentes orientações doutrinárias e a jurisprudência do Supremo Tribunal para classificar o ato de improbidade administrativa como parte do sistema do direito administrativo sancionador que, por sua vez, reclama a aplicação da principiologia das normas penais e processuais penais à matéria estudada. Regras criminais estas estruturadas em conformidade com o devido processo legal substancial e formal.

Se o procedimento administrativo constitui um instrumento destinado a assegurar a eficácia e a legalidade da atividade confiada à Administração Pública, o processo administrativo não somente amplia a possibilidade de eficácia e de legalidade, mas acrescenta o objetivo de proteção jurídica dos cidadãos. Essa proteção jurídica se torna especialmente necessária e relevante quando o Estado se move para exercer sua pretensão punitiva sobre o particular, seja pessoa física, seja pessoa jurídica. Ja se tornou lugar comum dizer que o processo penal é direito e garantia do réu, tanto que pena alguma lhe pode ser imposta sem prévio procedimento com contraditório e ampla defesa. Nemo inauditus damnari potest. Com o aumento do poder estatal e correspondente ampliação da regulamentação da vida dos administrados, mediante imposição de severas sanções, é natural que as garantias do processo penal se expandissem para não deixar ao desamparo o particular sujeito às penas administrativas. Realmente, notava Waline, depois da Segunda Guerra, que as sanções administrativas vinham duplicando as sanções penais em grave ameaça à liberdade dos cidadãos.[7]

Arrematando, não se pode negar o caráter penal das sanções administrativas. Nesse sentido Themistocles Brandão Cavalcanti, ao escrever que se é verdade que existe uma diferenciação entre o direito penal comum e o chamado direito penal administrativo, os princípios entretanto, que informam as bases dos dois, são os mesmos. Adotam expressamente o mesmo entendimento Carlos S. de Barros Jr. e Lúcia Valle Figueiredo.[8]

Importante voto do Ministro Celso de Mello, com a precisão e a cultura de sempre, explicita que diante de uma posição conflitante do Estado e do indivíduo, reconhecido o caráter penal da lei ora analisada, aplicam-se ao demandado todos os direitos e todas as garantias constitucionais:

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: (…) Não custa relembrar, neste ponto, considerada a própria jurisprudência constitucional que esta Suprema Corte firmou na matéria, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece, como sucede na espécie, uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de um lado, o indivíduo, de outro. Cumpre ter presente, bem por isso, que o Estado, em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer cidadão, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético–jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público – de que resultem conseqüências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais – exige a fiel observância do princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LV), consoante adverte autorizado magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 1/68-69, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, Comentários à Constituição Brasileira, vol. 1/176 180, 1989, Saraiva; JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, O Direito à Defesa na Constituição de 1988, p. 71/73, item n. 17, 1991, Renovar; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, O Direito à Defesa na Constituição, p. 47/49, 1994, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, Comentários à Constituição do Brasil, vol. 2/268-269, 1989, Saraiva; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, Direito Administrativo, p. 401/402, 5ª ed., 1995, Atlas; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, Curso de Direito Administrativo, p. 290 293/294, 2ª ed., 1995, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, p. 588, 17ª ed., 1992, Malheiros, v.g.). A jurisprudência dos Tribunais, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida, ou não, de caráter punitivo (RDA 97/110 – RDA 114/142 – RDA 118/99 – RTJ 163/790, Rel. Min. CARLOS VELLOSO AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, in Informativo/STF nº 253/2002 – RE 140.195/SC, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE 191.480/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 199.800/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.). RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO DUE PROCESS OF LAW. – O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. PrecedentesDoutrina. (RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Isso significa, portanto, que assiste, a qualquer pessoa, mesmo em procedimentos de índole administrativa ou de caráter político-administrativo, a prerrogativa indisponível do contraditório da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, consoante prescreve a Constituição da República, em seu art. 5º, inciso LV, e reconhece o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (…) Extremamente precisa, a propósito do conteúdo da prerrogativa constitucional do direito de defesa, a lição de JAQUES DE CAMARGO PENTEADO (Acusação, Defesa e Julgamento, p. 257, item 17, 2001, Millennium): A ampla defesa é essencial à segurança da pessoa. É imprescindível à garantia da presunção de inocência em face de injustas imputações. Envolve três direitos básicos do acusado: direito ao seu defensor, direito ao pleno conhecimento do conteúdo da imputação e das respectivas provas e direito de debater essas provas e produzir outras (grifei).[9]

Os direitos e as garantias constitucionais informam conformam o direito infraconstitucional impedindo que a divisão enciclopédica da ciência jurídica obste ou diminua a eficácia dos direitos fundamentais. Do princípio da constitucionalidade em geral e da constitucionalidade do Estado em particular decorre necessariamente o princípio da constitucionalidade da acção do Estado e de quaisquer outras entidades públicas (nº 3). É uma consequência directa da juridicidade de todos os poderes do Estado e da força normativa da Constituição enquanto lei fundamental da ordem jurídica. Sob pena de inconstitucionalidade e logo, de invalidade cada acto há-de ser praticado apenas por quem possui competência constitucional para isso, há-de observar a forma e seguir o processo constitucionalmente prescritos e não pode contrariar, pelo seu conteúdo, nenhum princípio ou preceito constitucional.[10]

Dentre essas garantias e direitos individuais, pode-se destacar que não há infração administrativa sem prévia definição legal e se aplica ao sistema do direito administrativo sancionador a regra da retroatividade in mellius (art. 5º, incs. XXXIX e XL, CR). O preceito constitucional concretiza-se no Direito Penal: ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória (art. 2º, CP); e a lei posterior que, de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado (art. 2º, parágrafo único, CP). A lei mais benéfica aplica-se aos fatos anteriores que ainda não estiverem definitivamente julgados e aos processos findos.

Com a brevidade inerente aos primeiros estudos da reforma da Lei de Improbidade Administrativa, examinar-se-á em seguida a questão do elemento subjetivo do ato de improbidade.


3. ELEMENTO SUBJETIVO

A perene lição de E. Magalhães Noronha define o dolo como vontade livre e consciente. Dois são, portanto, os elementos do dolo. A consciência há de abranger a ação ou a omissão do agente, tal qual é caracterizada pela lei, devendo igualmente compreender o resultado, e, portanto, o nexo causal entre este e a atividade desenvolvida pelo sujeito ativo. Age, pois, dolosamente quem pratica a ação (em sentido amplo) consciente e voluntàriamente. Classifica-o como direto (o evento corresponde à vontade do sujeito ativo) e indireto (apesar de querer o resultado, a vontade não se manifesta de modo único e seguro em direção a ele. Subdivide este em alternativo (o agente quer um dos eventos que sua ação pode causar e eventual (o sujeito ativo prevê o resultado e, embora não seja este a razão de sua conduta, aceita-o. A culpa é a imprevisibilidade do previsível (a opinião mais categorizada é a que fundamenta a culpa na previsibilidade. Somente punível quando expressamente prevista por lei (art. 18, parágrafo único, CP). Esta pode ser por imperícia (supõe arte ou profissão. Consiste na incapacidade, na falta de conhecimento ou habilitação para o exercício de determinado mister, imprudência (agir sem a cautela necessária. É forma militante e positiva da culpa, consistente no atuar o agente com precipitação, insensatez ou inconsideração, já por não atentar para a lição dos fatos ordinários, já por não atender as circunstâncias especiais do caso, já por não perseverar no que a razão indica) ou negligência (Na doutrina e nas leis, freqüentemente é usada como equivalente à culpa em sentido estrito, dando-lhe, então, todo o substrato e abrangendo, pois, a imprudência e a imperícia (…) Reduz-se a um comportamento negativo. Negligente é quem, podendo e devendo agir de determinado modo, por indolência ou preguiça mental, não age ou se comporta de modo diverso).[11]

Os clássicos,[12] os finalistas[13] e os partidários da imputação objetiva,[14] como não poderia deixar de ser, não concebem uma infração penal sem o elemento subjetivo. Considerando-se crime o fato típico, antijurídico e culpável, ou o fato típico e antijurídico, enquanto a culpabilidade é o elo entre o fato típico e antijurídico e a punibilidade, o que importa para os fins dessas brevíssimas considerações é que não há infração penal sem vontade, representação mental do resultado e consciência potencial da ilicitude. Não há crime sem culpa. A culpa é punível por exceção. Essa concepção penal e a interpretação da mesma estendem-se ao ato de improbidade.[15]

Não se equipara culpa do administrador com a sua eventual falta de técnica. A conduta culpável do agente público, apurada segundo o devido processo legal, pode ser juridicamente reprovada. A atecnia deve ser analisada pelos eleitores e gerar ou não o voto à candidatura ou à recandidatura. A Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé”.[16] É perfeitamente aplicável às hipóteses de alegação de falta de probidade a norma penal que isenta de punição aquele que, por erro inevitável, desconhece a ilicitude do fato (art. 21, CP). Nessas hipóteses, em consciência, o administrador age de acordo com o Direito e com a Moral.[17] É preciso verificar as circunstâncias que rodeiam a administração e o ato do administrador e de seus auxiliares.[18] Não se pode confundir erro, inerente à falibilidade humana e próprio das ciências da administração pública, com dolo.[19] Houve louvável ação dos órgãos públicos para assegurar a probidade e houve desvios sem conta.[20]

A lei sob comento consagrou a principiologia constitucional do direito administrativo sancionador e fixou que configuram atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11, da Lei nº 8.429/92, Dispôs, expressamente, que se aplica a teoria da tipicidade à matéria em estudo e que são puníveis exclusivamente as condutas dolosas praticadas por uma pessoa ou em concurso de pessoas (art. 2º – art. 1º, § 1º, Lei 8.429/92; art. 2º – art. 3º, Lei 8.429/92).[21] Além disso, definiu dolo: vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11, não bastando a voluntariedade do agente (art. 2º – art. 1º, § 2º, Lei nº 8.429/92). Elucidou que o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa (art. 2º – art. 1º, § 3º, Lei nº 8.429/92). Está a exigir o dolo específico (praticar a ação, em sentido amplo, para auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida), nos termos da reforma (art. 2º – art. 9º, caput, Lei nº 8.429/92, v. g.).[22] Além dos elementos normativos dos tipos de ato de improbidade administrativa elencados (facilitar para a indevida incorporação art. 2º – art. 10, inc. I, Lei nº 8.429/92).[23]

A Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou provimento à apelação contra a sentença do Juízo da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Corrente/PI para julgar improcedente o pedido para condenar o ex-prefeito da municipalidade por atos de improbidade administrativa. O município alegou que o ex-prefeito usou dos bens vinculados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em obras particulares em sua gestão; deixou escolas em péssimo estado de conservação; não repassou à previdência social contribuições retidas dos servidores municipais, entre outras reclamações. Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Ney de Barros Bello Filho, observou que o magistrado que proferiu a sentença acertou ao julgar o pedido improcedente: “Ao meu sentir, a sentença não contraria a jurisprudência desta Corte Regional que trafega no sentido de que o elemento subjetivo deve estar sempre presente na configuração dos atos de improbidade, que não se confundem com meras irregularidades e/ou atipicidades administrativas ou inaptidões funcionais. Não existe improbidade sem má intenção, sem desonestidade”, afirmou.[24]

A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal e não constitui ação civil (art. 2º – art. 17-D, Lei nº 8.429/92). As suas sanções somente podem ser executadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 2º – art. 12, § 9º, Lei nº 8.429/92).

Dita a lei nova que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, mesmo que essa orientação dos tribunais não seja pacífica ou não venha a prevalecer (art. 2º – art. 1º, § 8º, Lei nº 8.429/92). É que o agente público que pratica um ato com base na jurisprudência fonte do direito , age de boa-fé e esta é excludente do dolo. Por boa-fé subjetiva entende-se aquele estado de consciência da parte em agir em conformidade com o Direito posto, ou seja, o estado psicológico do agente frente à relação jurídica. Contraposta a essa conformação mental é a má fé, que opera subjetivamente com a intenção de lesar. Denota, pois, ignorância ante a existência de uma situação regular ou de erro sobre a aparência de algum ato jurídico e, ainda, vínculo ao pactuado, de forma que a parte age convencida do próprio direito. Denota também ignorância de lesar direito alheio, ou convicção de estar-se ligado à literalidade do pactuado.[25]

Por exemplo, se um administrador, com base nas orientações doutrinárias e jurisprudenciais, fizer uma distinção entre loteamento e desmembramento e, com base nisto, executar a desapropriação de uma área, por evidência não cometerá ato de improbidade, por culpa ou por dolo.[26] Está de boa-fé e pauta a conduta por precedentes jurisprudenciais e na communis opinio doctorum.

A justa promoção da probidade preventiva e repressiva deve levar em conta a proporcionalidade.[27]

4. PRESCRIÇÃO

A lei em estudo prevê a prescrição em 8 anos (art. 2º – art. 23, Lei nº 8.429/92), as causas de suspensão e de interrupção do lapso prescricional. A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo suspende a prescrição por 180 dias no máximo (art. 2º – art.23, § 1º, Lei nº 8.429/92. O inquérito civil deverá ser concluído em 365 dias, prorrogáveis uma única vez, mediante promoção fundamentada (art. 2º – art. 23, § 2º, Lei nº 8.429/92). Com esta norma procura-se a efetividade da garantia constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, CR).

As hipóteses de interrupção do curso prescricional estão previstas no art. 2º (art. 23, § 4º, Lei nº 8.429/92), começando pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa e terminando com a publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirme acórdão condenatório ou que reforme acórdão de improcedência.

Prevê a prescrição intercorrente cujo prazo é de 4 anos (art. 2º – art. 23, § 5º, Lei nº 8.429/92) e que deverá ser decretada de ofício ou a requerimento das partes, em contraditório (art. 2º – art. 23, § 6º, Lei nº 8.429/92).

A Procuradoria Geral da República posicionou-se no sentido da imediata aplicação do direito novo aos casos em andamento e na própria instância especial.[28] En passant, com a adoção legal da noção de sistema e da principiologia do direito sancionador, é natural a legitimidade ativa exclusiva do Ministério Público, órgão de soberania do Estado,[29] para a ação de improbidade administrativa.


5. CAUSAS EM ANDAMENTO

Com a entrada em vigor da lei sub studio, nos limites do presente trabalho, relembra-se que adota a principiologia constitucional do direito penal sancionador, a tipicidade do ato de improbidade administrativa, a integração dele quanto ao elemento subjetivo somente por dolo específico, a exclusão do mesmo nas hipóteses de adoção de jurisprudência. ainda que não pacificada e ainda que não venha a prevalecer, e institui prazos de prescrição geral e intercorrente.[30] Os direitos e as garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata.

Estes direitos constitucionais, mais favoráveis a quem figura no pólo passivo das ações de improbidade administrativa, têm aplicabilidade aos processos em curso e aos processos findos.[31]

Nos casos em que há imputação de fatos praticados por culpa do administrador, a lei nova implica a falta de justa causa para a continuidade dos respectivos processos. Sabe-se que uma das características do recurso é que o pedido de reexame desenvolve-se no mesmo processo em que emitida a decisão recorrida ou em instrumento dele formado e não instaura uma nova relação jurídica processual. O recurso cabe antes do trânsito em julgado da decisão. Nas apelações em andamento os Tribunais de Justiça ou os Tribunais Federais de Recurso deverão absolver o demandado.[32] Durante a tramitação de recursos especiais ou extraordinários, a nova lei também deve ser aplicada nestes tribunais superiores, antes do julgamento daqueles ou de recursos que os sustentem embargos de declaração ou agravo interno, por exemplo (arts. 493 e 933, CPC).[33]

Nas hipóteses em que houver decisão judicial de primeira instância classificando os fatos atribuídos ao administrador como culposos, isto é, praticados por imprudência, negligência ou imperícia, e não houver recurso do autor quanto a esta classificação jurídica da realidade fática, pendente recurso do réu, a regra da proibição da reformatio in pejus impede a reclassificação dos fatos culposos para fatos dolosos, também porque está estabilizada a imputação.

Se houver atribuição de fato culposo, a partir da vigência da lei nova, o pedido de condenação ou de manutenção desta é juridicamente impossível. Ao tempo do Código de Processo Civil precedente haveria a falta incidental de uma das condições da ação e sob o atual estatuto processual civil dá-se o caso de imediato julgamento da causa com a improcedência da ação civil pública. Este julgamento é de mérito, eis que sob a vigência daquele código, pela teoria da asserção, a supressão incidental da possibilidade jurídica do pedido implicava a formulação de julgamento do meritum causae e, na vigência do atual, é caso típico de decisão sobre este mérito e no estado do processo (arts.354 e 487, inc. I, CPC).

A lei nova prevê o julgamento conforme o estado do processo (art. 2º – art. 17, § 10-B, Lei nº 8.429/92) e, em qualquer momento do processo, verificada a inexistência do ato de improbidade, julgar-se-á a demanda improcedente (art. 2º – art. 17, § 11, Lei nº 8.429/92). A decretação da prescrição intercorrente deve ser feita de imediato (art. 2º – art. 23, § 8º, Lei nº 8.429/92).


6. CONCLUSÕES

A corrupção é um empecilho a quaisquer regimes porque maltrata a pessoa humana e a impede de se realizar segundo as suas potencialidades. A construção de uma sociedade livre, justa, solidária e proba é um dos fins do Estado. Exige a educação para as virtudes e a repressão proporcionada à ofensa, harmonizando efetividade e garantismo.

Havia diversas classificações da natureza jurídica dos atos de improbidade previstos na Lei nº 8.429/92. A lei acima estudada adotou a noção de sistema, aplica-se segundo os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, seguindo a moderna orientação doutrinária e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A adoção da doutrina de sistema jurídico e da principiologia constitucional do direito sancionador implica o tratamento das investigações e das ações judiciais atributivas de improbidade segundo os princípios e as regras de interpretação, da Constituição da República, do Direito Penal e do Direito Processual Penal sempre informados pela Carta Magna. Exige-se a tipicidade do ato de improbidade, não há ato de improbidade administrativa sem dolo, vigora a irretroatividade da lei mais gravosa e a retroatividade da lex mitior.

Por definição legal, a acusação da prática de improbidade administrativa é repressiva, tem caráter sancionatório e pessoal, não se constituindo em ação civil.

Não há ato de improbidade administrativa imprescritível e está prevista a prescrição intercorrente, tudo em atenção ao estado de liberdade da pessoa humana, à sua dignidade e preservação de sua boa fama, bem como para atender, reflexamente, a garantia constitucional da duração razoável do processo.

A punibilidade de ato de improbidade administrativa exige prévia elaboração legislativa do tipo de infração desta natureza, a sua integração por dolo específico, este não se configura nas hipóteses de adesão a orientações jurisprudenciais, e o erro ou a boa-fé do administrador também excluem o dolo. Aplica-se a regra da proporcionalidade.

A recente reforma aplica-se aos processos em curso e aos processos findos. Nas ações em curso nas quais se atribua culpa ao administrador, a lei nova implica a falta de justa causa para a continuidade dos respectivos processos. Nos processos em que houver decisão judicial de primeira ou de segunda instância, não transitada em julgado, classificando os fatos atribuídos ao administrador como culposos, isto é, praticados por imprudência, negligência ou imperícia, e não houver recurso do autor da respectiva ação quanto a esta classificação judicial da realidade fática, pendente recurso do réu condenado sob a alegação de culpa, a regra da proibição da reformatio in pejus impede a reclassificação dos fatos culposos como fatos dolosos, também porque está estabilizada a imputação. É caso de improcedência da ação judicial

Se há atribuição de fato culposo, com a vigência da lei nova, o pedido de condenação ou de manutenção desta é juridicamente impossível. Ao tempo do Código de Processo Civil precedente, pela teoria da asserção, haveria a falta incidental de uma das condições da ação e julgamento do mérito e sob o atual estatuto processual civil dá-se o caso de imediato julgamento da causa com a improcedência da ação civil pública, também examinando-se o meritum causae (arts.354 e 487, inc. I, CPC).

A lei nova prevê o julgamento conforme o estado do processo (art. 2º – art. 17, § 10-B, Lei nº 8.429/92) e, em qualquer momento do processo, verificada a inexistência do ato de improbidade, julgar-se-á a demanda improcedente (art. 2º – art. 17, § 11, Lei nº 8.429/92). A atribuição de ato de improbidade administrativa culposo implica a improcedência da respectiva ação judicial em curso e a cessação do cumprimento de sentença procedente transitada em julgada e dos seus efeitos. A decretação da prescrição intercorrente deve ser feita de imediato (art. 2º – art. 23, § 8º, Lei nº 8.429/92), como também disciplina o Código de Processo Penal (art. 61, caput).

A educação do povo para a probidade, a participação efetiva dele na escolha e no acompanhamento dos atos dos governantes incumbidos de otimizar os poderes que aquele delega a estes, mas conserva a sua titularidade, e a aplicação do devido processo legal, substancial e formal, pelos órgãos judiciários e essenciais à justiça, conciliando efetividade e garantismo podem implicar a evolução de nosso país.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTAS

  1. Perante as graves formas de injustiça social e econômica e de corrupção política, que gravam sobre povos e nações inteiras, cresce a reação indignada de muitíssimas pessoas oprimidas e humilhadas nos seus direitos humanos fundamentais e torna-se sempre mais ampla e sentida a necessidade de uma radical renovação pessoal e social de assegurar justiça, solidariedade, honestidade, transparência (Carta Encíclica de São João Paulo II, O Esplendor da Verdade, 2ª ed., São Paulo, Paulinas, 1993, p. 152). No início, pode ser que o suborno seja pequeno, mas funciona como uma droga. E, ainda que a primeira propina seja pequena, depois vêm outra e mais outra, até que o sujeito acaba imerso na doença da dependênciada ilegalidade, Papa Francisco, O Amor é contagioso: O Evangelho da Justiça, São Paulo, Fontanar, 2017, p. 81).
  2. “La virtù si distingue dalla buona azione per il fatto che opera una permanente e profonda conformazione morale di tutto l’essere umano. Inoltre la virtù, a differenza dell’a abitudine che diminuisce la libertà a causa dell’assuefazione che produce, scaturisce sempre dalla libera attività umana attraverso l’esercizio continuato di atti buoni. Perció l’acquisto di una virtù frutto di un principio superiore, la ragione, che muove a compiere atti, che si tramuteranno poi in abiti, sul fondamento della conoscenza immediata dei princìpi universali della morale significa sempre per l’uomo un progresso nella sua interiore perfezione. È la virtù che fa l’uomo (vir): essere uomo, di conseguenza, significa essere virtuoso. La virtù morale, perfezione dell’uomo, diventa in certo qual modo il fine della vita umana” (Michelangelo Peláez, Etica, Professioni, Virtù, Milano, Ares, 1995, p. 11).
  3. Não seja caso que, ao apanhardes o joio, arranqueis juntamente com ele o trigo (Mt 13,29).
  4. A consecução dessa finalidade observará aqueles dois balizamentos, o garantismo, compreendido, no plano geral, como um estado, em constante evolução, no qual os inocentes não serão incomodados e gozarão de tranquilidade e segurança para a livre realização dos seus projetos pessoais, e, na esfera do processo penal, como concreta forma de proteger o indivíduo em face do Poder Público. Preservando a sua dignidade e empregando os regramentos do devido processo legal na sua forma mas abrangente, para atingir aquele objetivo. E não descurará a efetividade do processo, o que implica a resolução das causas penais com justiça e adequada aplicação do direito (Jaques de Camargo Penteado, Sistema Acusatório, garantismo, efetividade e bem comum: uma visão esquemáticaIn Estudos de Processo Penal, São Paulo, Scortecci, 2011, p. 21).
  5. Jorge Augusto Delgado, Improbidade Administrativa: algumas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais sobre a Lei de Improbidade Administrativa, Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, v. 14, n. 1, p. 1-106, jan/jun.2002, p. 21.
  6. Na amplitude do sistema social insere-se o sistema incumbido da função de justiça que é integrado por agentes distintos postulantes (leigos e técnicos do direito), auxiliares e juízes que desenvolvem funções básicas diversas petição, reação e decisão , segundo regras predeterminadas. Os seus agentes comunicam-se no interior de sua unidade, estimulando e sendo estimulados pelos demais. Inicialmente, o sistema encarregado da função de justiça é movimentado de fora para dentro os integrantes do sistema social demandam a solução de conflitos para que se tenha a situação jurídica propícia ao bem comum. Finalmente, o sistema judiciário expede a resposta, agora de dentro para fora, tentando transmitir ao sistema social que o envolve um estado de coisas o mais parecido possível com a situação jurídica existente caso não houvesse a lesão geradora do conflito (Jaques de Camargo Penteado, Acusação, Defesa e Julgamento, Campinas, Millennium, 2001, p. 3).
  7. Antonio Carlos de Araujo Cintra, Parecer juntado no PAS nº 07/03, Corregedoria Geral do Ministério Público do Estado de São Paulo.
  8. Antonio Carlos de Araujo Cintra, op. et loc. cit.
  9. STF, Medida Cautelar em Mandado de Segurança, nº 25.647-8/DF, voto Ministro Celso de Mello.
  10. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Constituição da República Portuguesa Anotada, 1ª ed. brasileira e 4ª edição portuguesa revista, São Paulo, Revista dos Tribunais e Coimbra, 2007, pág. 217.
  11. Direito Penal, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1967, v. I, p. 155 e segs.
  12. Crime é o injusto contra o qual o Estado commina pena e o injusto, quer se trate de delicto do direito civil, quer se trate do injusto criminal, isto é, do crime, é a acção culposa e contraria ao direito (Franz Von Liszt, Tratado de Direito Penal Allemão, Rio de Janeiro, F. Briguiet & C., 1899, v. I p. 183).
  13. La teoría de la acción finalista alcanza por fin el concepto unitario de culpa, tanto tiempo buscado (Hans Welzel, La teoría de la acción finalista, Buenos Aires, Depalma, 1951, p. 34).
  14. Dessa forma, a culpabilidade representa um elemento fundamental para a verificação dos fatos de relevância jurídico-penal, uma vez que a consciência da ilicitude interfere em toda a extensão dos demais elementos do crime (Antonio Luís Chaves Camargo, Imputação Objetiva e Direito Penal Brasileiro, São Paulo, Cultural Paulista, 2002, p. 133).
  15. A rubrica Leis Penais, aposta a este capítulo compreende todas as normas que impõem penalidades,e não somente as que alvejam os delinqüentes e se enquadram em Códigos criminais. Assim é que se aplicam as mesmas regras de exegese para os regulamentos policiais, as posturas municipais e as leis de finanças, quanto às disposições cominadoras de multa e outras medidas repressivas de descuidos culposos, imprudências ou abusos, bem como em relação às castigadoras dos retardatários no cumprimento das prescrições legais. Os preceitos mencionados regem, também, disposições de direito privado, de caráter punitivo (…) toda norma imperativa ou proibitiva e de ordem pública admite só a interpretação estrita (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 21ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2018, p. 294).
  16. STJ, 2ª T., Resp. nº 1660398/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 27/06/2017, DJe 30/06/2017.
  17. Por la misma razón es preciso dejar claro otro principio: ha de seguirse la conciencia invenciblemente errónea. En efecto, la conciencia invenciblemente errónea es cierta, es decir, se cree que es verdadera subjetivamente. La ley moral se hace presente en el hombre a través de la conciencia, que, por esta razón, se denomina <<norma próxima de moralidad>>. La conciencia, como se ha visto, es un juicio del entendimiento práctico, en el que va incluida la libertad. El acto de una conciencia invenciblemente errónea es, por tanto, un acto humano livre, una decisión a favor de la ley moral (aunque se equivoque) (Rafael Gómez Pérez, Deontologia Juridica, 3ª ed., Pamplona, Ediciones Universidad de Navarra, 1991, p. 51).
  18. La circunstancia! Circum-stantia! Las cosas mudas que están en nuestro próximo derredor! Muy cerca, muy cerca de nosotros levantan sus tácitas fisonomías con un gesto de humildad e de anelo, como menesterosas de que aceptemos su ofrenda y a la par avergonzadas por la simplicidad aparente de su donativo (…) Hemos de buscar a nuestra circunstancia, tal y como ella es, precisamente en lo que tiene de limitación, de perculiaridad, el lugar acertado en la inmensa perspectiva del mundo (…) Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo (José Ortega y Gasset, Meditaciones del Quijote, Madrid, Universidad de Puerto Rico, 1957, pp. 35,42 e 43).
  19. Aprender es equivocarse, precisamente para dejar de equivocarse. No habría ciencia si no existiera el error. Con mucha frecuencia, el clima que crea la reiteración de los errores predispone para esa especie de advinación en la que consiste el invento (Rafael Gomes Perez, Los Derechos, Madrid, El Drac,1995, p. 77). Ver art. 22, § 1º, LIDB.
  20. Denúncias anônimas, motivações políticas, delações amorais, inquéritos mal presididos, imputações desprovidas de lastro probatório mínimo, falta de descrição circunstanciada dos fatos, descaso aos impedimentos legais, prisões indevidas, condenações informais, qualificações da inabilidade como culpa, olvido da proporcionalidade, transformações de culpa levíssima em culpa grave, desta em dolo, em verdadeiras operações espetaculosas.
  21. Sustenta Kamile Medeiros do Valle que a previsão da responsabilidade subjetiva pelo dolo não está inserida apenas na nova Lei, mas já estava contida no art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei Federal nº 13.655/2018 LINDB), a qual prevê a responsabilidade pessoal do agente público por suas decisões ou opiniões técnicas somente em caso de dolo ou erro grosseiro (O fim da improbidade administrativa por ato culposo: por que tanta indignação?Littera Express, nº 805, http://manesco.com.br/).
  22. … é considerado como um fim especial e próprio do delito (…) às vêzes, a lei não usa expressões para indicá-lo, porém, ele está implícito na oração (E. Magalhães Noronha, Direito Penal, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1967, v. I, p. 155 e segs.).
  23. Os elementos normativos dizem respeito à antijuridicidade e são designados por expressões como indevidamente (…), sem justa causa (…), sem consentimento de quem de direito (…), sem licença da autoridade competente (…), fraudulentamente e mais algumas (E. Magalhães Noronha, Direito Penal, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1967, v. I, p. 113).
  24. Processo nº: 0000427-49.2017.4.01.4005, AASP, Clipping Eletrônico, 2.2.2021.
  25. Fernando de Paula Gomes, Do Contrato: Interpretação e Boa-Fé, Revista de Direito Privado, v. 27/2006, p. 96-142, jul-set/2006, DTR/2006/450. Ver art. 24, LIDB.
  26. Loteamento e desmembramento são institutos diferentes. Ambos são formas de parcelamento do solo, sendo este seu gênero próximo. A diferença específica está em que no loteamento há a divisão da gleba em frações menores, usualmente para uma ou duas moradias, com a previsão de abertura de vias públicas e de áreas institucionais. No desmembramento tal não ocorre, sendo a gleba dividida em fração menor, com desdobro para efeitos matriculares, mantendo-se a contigüidade. Não há ruas nem espaços em branco nos desmembramentos. Esta é a orientação jurisprudencial: acerca do que se deve entender por loteamento e desmembramento, a própria lei esclarece, no art. 2º, da Lei nº 6.766/79 (Apelação nº 1.0319.08.032195-7/001, 1ª Câm., TJMG, Rel. Des. Silas Vieira, v. un., j. 31.1.2012).
  27. … o princípio da proporcionalidade tem de ser entendido no quadro dos direitos fundamentais. Ele há de ser considerado ao lado de outros princípios também extraídos da natureza desses direitos, como o da proteção do núcleo essencial e da concordância prática. O parâmetro da proporcionalidade é especialmente útil para flagrar uma indevida intervenção do Estado em posições jurídicas e não pode ser manejado em sentido oposto, isto é, para justificar iniquidades. Mesmo se admitindo a possibilidade de, inobservadas as cautelas devidas na aplicação do princípio, vir a ser criada alguma injustiça, mais injusta é a aplicação automática e indiscriminada da lei. Assim, é de ser privilegiada uma solução concreta quando a lei é posta em confronto quanto à sua idoneidade para solver um problema, de maneira que, deve ser compreendido que um eventual escorregão entre o direito e a política constitui risco inafastável da profissão do constitucionalista. O deficit de previsibilidade creditado à utilização do princípio da proporcionalidade é, sem dúvida, compensado pela possibilidade de se dar uma solução justa ao caso concreto (Suzana de Toledo Barros, O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais, 2ª ed., Brasília, Brasília Jurídica, 2000, p. 209). Ver art. 22. § 2º, LIDB.
  28. A persecução por ato de improbidade administrativa se insere no âmbito do Direito Sancionador e, por coerência sistêmica, a exemplo do que ocorre com os mecanismos de persecução penal, deve nortear-se pelo postulado da retroatividade da norma mais favorável ao réu, nos termos do art. 5º, XL, da CF (STJ, 2º Turma, Resp. nº 1.966.002/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Parecer da Procuradoria Geral da República, Procurador da República Nicolau Dino).
  29. É o que JELLINEK em síntese perfeita: Atrás do representante há outro pessoa, atráz do órgão, não se vê ninguém. Carecendo a sociedade de personalização jurídica, inconfundindo-se com os eventuais mandatários que a representam na chefia do governo, deve o Ministério Público, definitivamente, conceber-se como Órgão de Soberania do Estado, evitando a dubiedade da Instituição Permanente, permissiva de sua equívoca interpretação como agente das autoridades (Jaques de Camargo Penteado, Jarvis Viana Pinto, Paulo Edson Marques e Samuel Sergio Salinas, Aspectos da Estrutura Orgânica do Ministério Público, Teses e Relatórios do IX Seminário Jurídico dos Grupos de Estudos do Ministério Público do Estado de São Paulo, São Paulo, Edições APMP, 1981, p. 64).
  30. No Superior Tribunal de Justiça, o Min. Mauro Campbell Marques, antes do julgamento dos recursos de competência deste tribunal, tem aberto vista às partes para se manifestar sobre a incidência da nova lei de improbidade administrativa: a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) foi recentemente alterada e reformada pela Lei nº 14.230/2021, a qual proporcionou significativas alterações no âmbito do direito processual e do direito material da norma sancionadora. Entre as principais mudanças, é possível destacar a expressa previsão legal no sentido da aplicação ao sistema de improbidade administrativa dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador (art. 1º, § 4º, da LIA, redação da Lei nº 14.230/2021) e novos parâmetros relacionados aos tipos sancionadores, tais como a extinção de condutas típicas e de condutas culposas. Ante o exposto, com base no art. 10 do CPC/2015, diante da potencial incidência dos novos parâmetros introduzidos na Lei de Improbidade Administrativa, intimem-se as partes para, no prazo legal, se manifestarem sobre a eventual aplicação retroativa da Lei nº 8.429/1992 alterada pela Lei nº 14.230/2021 (Resp. nº 1920691-SP (2020/0241317-0), despacho de 14.12.2021; Resp. nº 1.966.002/SP, despacho de 29.11.2021).
  31. Contém ainda o artigo princípio que faz a lex mitior retroagir, não só no caso de estar sendo movida a persecutio criminis, como também no de haver sentença definitiva com trânsito em julgado (E. Magalhães Noronha, Direito Penal, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1967, v. I, p. 86).
  32. Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º, § 4º estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador. Retroatividade da norma mais benéfica, por disposição específica da mesma (art. 1.º §4.º). Supressão das modalidades culposas. Atos de improbidade administrativa somente dolosos, não verificados na espécie. Ausência de má-fé no trato com o dinheiro público ou obtenção de vantagem.Negligência durante a gestão. 8. Sentença reformada. Decreto de improcedência da ação. Recurso provido (TJSP, 9ª Câm., Ap. Civ. nº 1001594-31.2019.8.26.0369, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu, v. un., j. em 10.11.2021).
  33. A aplicação imediata em matéria de inovação legal, em recurso que tramita perante o Superior Tribunal de Justiça e antes do julgamento desse recurso é sustentada por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil Comentado, 19ª edição, São Paulo, Thomson Reuters Brasil Revista dos Tribunais, 2020, comentários aos artigos supra citados)