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Implicações do RE 1003433 para os tribunais de contas e os municípios

Por: Alcindo Antonio Amorim Batista Belo

O STF, em recente decisão, RE 1003433 – Tema 642 de Repercussão Geral (deve ser aplicada pelos demais Tribunais em casos semelhantes, CR, art. 102) -, uniformizou o entendimento no sentido de que os Municípios detêm a legitimidade para executar não apenas o montante que o Tribunal de Contas determinar ao gestor municipal para reparar o dano causado ao erário do município, mas também, a multa por tal irregularidade, descabendo o valor da multa reverter aos cofres do ente da Federação a que vinculado o Tribunal de Contas. Profícuo citar essa Deliberação:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO – CONTROLE EXTERNO

Legitimidade para executar multa por danos causados ao erário municipal – RE 1003433/RJ (Tema 642 RG)

Tese fixada: “O Município prejudicado é o legitimado para a execução de crédito decorrente de multa aplicada por Tribunal de Contas estadual a agente público municipal, em razão de danos causados ao erário municipal.”

Resumo: Os estados não têm legitimidade ativa para a execução de multas aplicadas, por Tribunais de Contas estaduais, em face de agentes públicos municipais, que, por seus atos, tenham causado prejuízos a municípios.

Se a multa aplicada pelo Tribunal de Contas decorre da prática de atos que causaram prejuízo ao erário municipal, o legitimado ativo para a execução do crédito fiscal é o município lesado, e não o estado (1). Entendimento diverso caracterizaria hipótese de enriquecimento sem causa.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao julgar o Tema 642 da RG, negou provimento a recurso extraordinário. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin.”

(1) Precedentes: RE 525.663 AgR e RE 223.037

RE 1003433/RJ, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 14.9.2021” (Informativo STF 1.029/2021)

Importante frisar que há previsão no próprio texto constitucional para os Tribunais de Contas aplicarem multas reparatórias para gestores que causam danos, mas também, multas sancionatórias pelo descumprimento do ordenamento jurídico: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: … VII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;”

Vale salientar também que as decisões das Cortes de Contas que imputam débito ao gestor por prejuízo causado ao erário e sanções pecuniárias aos responsáveis por conta do dano e por demais irregularidades de diversos tipos têm eficácia de título executivo (CR, art. 71, § 3º).

Por consequência, cabe ao Tribunal de Contas aplicar sanção pecuniária em proporção ao dano causado e ao ordenamento jurídico, preceito inclusive previsto de modo expresso pela Lei de Introdução do Direito Brasileiro (LINDB):

“Art. 22. …

§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.

§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.”

Porém, de registrar que os Tribunal de Contas, por falta de legitimidade e interesse concreto, não podem executar esses créditos. Isso porque constitui um Órgão de índole constitucional a exercer o controle externo que integra a estrutura do Poder Legislativo, falecendo de personalidade jurídica própria. A legitimidade ativa e passiva em juízo compete, assim, ao ente da Federação a que esteja vinculado.

Em retorno à Deliberação em comento, revela-se adequado – nos processos em que o Tribunal de Contas decidir que o gestor de certo município, além de outras infrações, lesou o erário municipal – imputar débito para ressarcir o prejuízo provocado, junto com uma multa proporcional ao dano. Além disso, pode aplicar outra multa ao agente público pertinente às demais irregularidades.

No caso de multa proporcional ao dano, o Tribunal de Contas, afastando aplicação da legislação que disponha em contrário sentido, enquanto não modificada para se adequar à intelecção do STF, deve determinar ao agente público recolher ambos débitos, ressarcimento e a sanção pecuniária, ao município, competindo a este ente executar em caso de inadimplência.

Desse modo, a ação de cobrança somente pode ser proposta, tanto em relação ao principal – o ressarcimento – quanto à sanção pecuniária, pelo ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas – o município – por meio de seus procuradores, que atuam junto ao órgão jurisdicional competente a fim de adotar medidas administrativas e judiciais para cobrar tais créditos.

Na intelecção do Voto vencedor, Min. Alexandre de Moraes, incide nesses casos o princípio do acessório seguir o principal. Se há dever de reparar dano aos cofres de um município, a multa aplicada ao gestor que lesou o erário pertence, também, a esse ente da Federação, a quem compete executar também tal crédito. De mencionar excerto do aludido Voto:

“Ora, na situação em análise, a multa foi aplicada em razão de uma ação do agente público em detrimento do ente federativo ao qual serve, o Município. Não há nenhum sentido em que tal valor reverta para os cofres do Estado-membro a que vinculado o Tribunal de Contas.

Conforme muito bem percebido pelo acórdão recorrido, “se a multa aplicada pelo Tribunal de Contas decorreu da prática de atos que causaram prejuízo ao erário municipal, o legitimado ativo para a execução do crédito fiscal é o Município lesado, e não o Estado do Rio de Janeiro, sob pena de enriquecimento sem causa estatal” (vol. 1, fl. 210).

Esta diretriz encontra amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal …”

Por outro ângulo, dessume-se da cognição do STF que a legislação pode prever que as multas por outros ilícitos aplicadas aos gestores municipais podem se reverter ao Tribunais de Contas, ou ao ente da federação a que esse é vinculado, conforme definiu o Legislador local. Nesses casos, caberá ao ente executar tal crédito.

Em processo de diversas modalidades, como os de auditoria especial e denúncia (CR, art. 71, IV, e 74, § 2º), o Tribunal de Contas pode multar o gestor municipal por inobservar o dever de licitar ou de realizar um concurso público. De semelhante modo, pode, também, aplicar ao agente público multa preconizada pela Lei dos Crimes Fiscais, por não haver adotado medidas para eliminar o excesso de gastos com pessoal.

No caso dessas e de outras irregularidades por afrontas à ordem legal, então, competirá ao ente da Federação que o Tribunal de Contas integre a execução da sanção pecuniária com fundamento legal diverso da ocorrência de prejuízo aos cofres públicos municipais.

Dessa forma, nessa breve análise, a posição do Pretório Excelso em destaque evidencia o entendimento de que o município que sofreu uma lesão por conduta irregular do agente municipal, restando prejudicado por não dispor de tais recursos para destinar ao efetivo atendimento de uma necessidade coletiva, deve haver tanto com a reparação do erário municipal, quanto com o valor da multa aplicada.

Por conseguinte, relevante que, tanto a Administração Pública, quanto os Tribunais de Contas, a partir do advento do Tema 642 RG (RE 1003433), adotem a sistemática de distinguir a legitimidade da multa imputada aos gestores públicos municipais. Compete ao município o ressarcimento, bem como a multa imputada ao agente público municipal, por haver lesado os cofres públicos municipais. Nos demais casos, caberá ao ente da Federação que o Tribunal de Contas integre a legitimidade da cobrança.


REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1998. Brasil, Congresso Nacional, [1988]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso 17 set. 2021.

STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RE 1003433. Relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual em 14.9.2021. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5068260>. Acesso em 18 set. 2021.

BRASIL. DECRETO-LEI nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm>. Acesso em 17 set. 2021.

TCU. PEDIDO DE REEXAME. Acórdão 1.316/2016 – Plenário. Relatora Min. Ana Arraes. Disponível em: <https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/ KEY:ACORDAO-COMPLETO-2256696/DTRELEVANCIA%20desc,%20NUMACORDAOINT%20desc/0/%20>. Acesso em 18 set. 2021.

Fonte:https://jus.com.br/artigos/93437/implicacoes-do-re-1003433-para-os-tribunais-de-contas-e-os-municipios